domingo, 10 de fevereiro de 2019

Diário de um professor estagiário - Dia 5

Na minha última postagem eu contei do episódio quando a professora V. gritou com uma das melhores alunas da turma de acordo com ela mesma, a B. Neste dia, V. estava com atestado médico para 3 dias por problemas na garganta, porém, estava trabalhando.
Todos os dias em que eu observei aula V estava rouca, reclamava que estava com problema na garganta e sem voz. Em muitas das aulas também presenciei V. gritando com os alunos por pouco, batendo a régua de madeira na lousa e dando tapas em carteiras de alunos. Quando ela percebia o exagero de seus atos, tentava se justificar com os alunos, dizendo que eles a deixavam alterada, culpava o barulho da turma de cima ou alguma mudança de rotina.
Eu acredito que a professora V. apresentava síntomas da sídrome de Burnout. Sobre essa síndrome, eu escrevi o seguinte no meu relatório de estágio:


A rotina escolar, apesar de criar condições efetivas para a aprendizagem devido à padronização, ao seriamento e à simultaneidade, é um dos aspectos da profissão que podem provocar o surgimento da síndrome de burnout, “um tipo de estresse de caráter persistente vinculado a situações de trabalho, resultante da constante e repetitiva pressão emocional associada com intenso envolvimento com pessoas por longos períodos de tempo”. Esta síndrome é geralmente associada a profissionais da saúde, porém, ela é mais comum na área de educação, “o que coloca o Magistério como uma das profissões de alto risco” (CARLOTTO, 2002, pág. 21).
Alguns dos sintomas associados à síndrome são:
Exaustão emocional, caracterizada por uma falta ou carência de energia, entusiasmo e um sentimento de esgotamento de recursos; despersonalização, que se caracteriza por tratar os clientes, colegas e a organização como objetos; e diminuição da realização pessoal no trabalho, tendência do trabalhador a se auto-avaliar de forma negativa. As pessoas sentem-se infelizes consigo próprias e insatisfeitas com seu desenvolvimento profissional” (CARLOTTO, 2002, pág. 23).
Carlotto aponta que, assim como a produção industrial foi influenciada por “idéias da gestão científica do trabalho, propostas pelo taylorismo, as escolas não tardaram a ligar-se a essa nova ordem" (CARLOTTO, 2002, pág. 22). O trabalho docente tornou-se mensurável pela eficiência dos professores de produzirem alunos com rendimento de acordo com as metas dos órgãos reguladores. Essa mudança colocou o magistério numa posição técnica e afetou a forma como os professores se relacionam com a profissão, com a consequência de mais casos de burnout.
 Há incoerências decorrentes dessa nova ordem de trabalho: espera-se que o professor trate individualmente seus alunos, ajudando-os em seu desenvolvimento pessoal, e que estimule sua autonomia, ao mesmo tempo que se exige do mesmo professor um julgamento distanciado da performance do aluno, que conforme seus alunos às regras da escola e que se adapte às políticas educacionais vigentes (CARLOTTO, 2002, pág. 23). Essas responsabilidades contraditórias contribuem para que o professor se sinta esgotado e sem recursos.


A referência do texto citado neste trecho é:
CARLOTTO, Mary Sandra. A síndrome de burnout e o trabalho docente. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 7, n. 1, p. 21-29, jan./jun. 2002. 
Agora continuo com o relato do quinto dia de observação de estágio. Críticas, dúvidas ou sugestões são bem vindas, é só deixar um comentário ;-)

Dia 5


Na lousa deste dia estava escrita a “família do t”: ta-, te-, ti-, to-, tu-. Também estava presente um aviso para alunos copiarem em suas agendas sobre uma excursão a uma apresentação de Ballet para alunos copiarem na agenda.
Para a atividade de português a professora fez leitura em voz alta da história da Chapeuzinho Vermelho presente no livro didático Ler e Escrever. Ela chamou crianças para lerem de suas carteiras trechos  da história. As crianças chamadas demonstraram desenvoltura ao ler palavras que não fazem parte do seu cotidiano, todavia, a professora V não ficou satisfeita com a performance de seus alunos:
- Leitura pior que o primeiro ano!
Os livros didáticos com contos de fada e histórias clássicas, em sua maioria com origem europeia e estadunidense, não é ilustrado. Ele conta apenas com uma moldura de faixa rosa nas extremidades de cada página na qual figuras genéricas e em miniatura, como estrelinhas, estão desenhadas. O livro contava com mais de uma versão do mesmo conto, pois a maior parte dos exercícios pedia aos alunos diferenciar aspectos de cada versão, ou reescrever a história de uma versão específica.
Enquanto um aluno leu a história que provavelmente já era conhecida, os outros fizeram desenhos nas páginas do livro didático, ou contornaram as figuras presentes na moldura do livro.  Quando a professora percebeu, ela repreendeu a turma:
- Estes livros têm os seus nomes mas não são seus!
Pedi para a professora autorização para acompanhar a leitura com a M, já que a professora distribuiu um dos livros para mim e a aluna ficou sem nenhum. Sentei ao lado da M e coloquei o livro didático em nossa frente. A M logo pegou um lápis e imitou o movimento que eu fazia com o dedo de acompanhar a leitura da professora no livro, além de abrir e fechar a boca como se estivesse lendo de fato.
Após a leitura, os alunos copiaram exercícios de matemática que estavam na lousa para lição de casa. A professora pediu para que dois alunos a ajudassem a distribuir o material de matemática. Eles foram até o armário. Um deles subiu em uma cadeira para alcançar os livros que estavam na prateleira mais alta do armário. Ele pegou cada livro e entregou a aluna que o ajudava a entregar para os alunos, dizendo o nome escrito nas etiquetas nas capas dos livros.
- Para! - reclamou a aluna.
O aluno da cadeira continuou lendo os nomes dos donos do livro e a aluna continuou a reclamar, pedindo para ele parar. A professora, então, perguntou:
- O que está acontecendo?
- Ele tá lendo os nomes na etiqueta para mim mas já sou alfabética! - em tom de indignação.
- Você sabe que ela é alfabética! Para com isso! - briga a professora com aluno da cadeira.
Enquanto os alunos faziam esta cópia, continuei sentado ao lado da M. Peguei uma folha de caderno minha, o meu estojo, e dei para ela estes materiais dizendo que deveria copiar o que estava na lousa. A M fez símbolos circulares para representar as letras, porém todos eram iguais. Ela não fazia separação de palavras, não seguia linhas e nem seguia uma direção específica. Perguntei a ela quantos lápis coloridos ela estava usando. Ela apontou aos lápis e disse os números na ordem, como se estivesse contando, porém, ela não atribuia um número para cada lápis; a sequência de números que dizia parecia uma canção memorizada e não correspondia a uma contagem de fato.
Pedi para que ela se desenhasse e escrevesse o seu nome no papel. Ela fez símbolos circulares para as letras e garatujas para se representar. Perguntei onde estava sua cabeça no desenho, tocando na sua testa. Fiz o mesmo com os braços, barriga, e pernas. Ela apontou para a garatuja e pareceu confusa. Eu me desenhei no papel e a desenhei também, escrevi nossos nomes e mostrei para ela. Ela perguntou se poderia levar o papel para casa.

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