A professora V;
O aluno "problema" GC; e
A aluna imigrante M.
Dia 2
Na próxima observação que fiz, a M estava com caderno e lápis na mesa, desenhando. A professora, para a aula de português, leu a história da Bela Adormecida escrita no livro de contos infantis que faz parte do material didático da rede estadual. As crianças deveriam prestar atenção para recontar a história.
Em todas as aulas que eu observei, a professora V encontrava um livro de aluno sobrando e me dava para eu acompanhar as lições e leituras com a turma. Porém, a M nunca tinha acesso a esses materiais. Por isso, a partir desta aula, em atividades que utilizavam o livro didático, eu passei a me sentar ao lado da M com a autorização da professora.
Ao final da história, V fez perguntas às crianças sobre a narrativa para que elas respondessem, em uma espécie de confirmação do que foi contado. A professora escrevia as respostas na lousa e as crianças copiavam. Ela questionou as crianças diversas vezes sobre o vocabulário escolhido, incentivando-as a trocarem-no por palavras mais rebuscadas: “que outra palavra podemos usar para ‘entrou’?”.
Quando alunos tentavam conversar entre si durante a atividade, a professora relembrava-os da prova de reescrita que teriam na próxima semana, explicando que era importante eles prestarem atenção para tirar notas boas na prova.
A atividade se alongou devido às trocas de palavras propostas pela professora, pois alunos tinham dificuldades em descobrir a palavra que V queria que falassem. Os alunos demonstraram frustração pois pararam de dar sugestões à professora, que insistia na atividade. A turma passou, então, a tentar conversar entre si e se distrair em suas carteiras. Quando a professora reclamou da algazarra, uma aluna levantou a mão e perguntou:
- O que é algazarra?
Ela não foi respondida.
Outro aluno, o GC., veio até a minha carteira e me perguntou:
- É difícil ser professor. Você vai ser professor?
- Eu quero ser professor - respondi.
- Eu quero ser perueiro. Vou comprar uma perua.
Durante o recreio desse dia ele me contou sobre seu pai ser perueiro da escola e que por isso ele quer ser também. Ele disse que sua mãe estava tirando a carta para dirigir peruas escolares, e que ela ajudava o pai dele às vezes.
O GC., além de apresentar dificuldades para copiar rápido o que a professora escrevia na lousa, recebeu broncas diversas vezes em todas as aulas que assisti. Ele sentava na primeira carteira, de frente para a lousa no meio da sala.
Alguns alunos se levantaram para pedir para ir ao banheiro ou mostrar seus cadernos para a professora. Com a voz rouca, a professora contou nos dedos até três para que todos voltassem a seus lugares e ficassem em silêncio. A turma obedeceu.
Em seguida, V ameaçou escrever um relatório explicando para a coordenadora os motivos do insucesso da atividade além de contar sobre isso na reunião de pais. Os Alunos se mantiveram em silêncio diante das ameaças.
GC virou para trás para me dizer que não conseguiu terminar de copiar, preocupado. V foi até a sua carteira e bateu com a palma da mão aberta na mesa do aluno. O som alto assustou a turma e despertou alguns alunos que estavam dormindo.
A professora pediu para alunas recolherem material de português e distribuiu os livros de matemática, dizendo em tom de reprovação que a turma terminaria o exercício de português no dia seguinte, antes de todas as atividades.
Os alunos deveriam resolver três problemas de matemática que envolviam adição e subtração. Porém, eles não conseguiram compreender pela leitura individual dos enunciados se deveriam somar os números apresentados ou subtraí-los. P, outro aluno que não conseguia acompanhar o ritmo dos mais rápidos da turma, veio até mim para perguntar o que deveria fazer com os números.
A professora chamou três alunos para irem até a lousa. Eles deveriam demonstrar como resolveram os problemas propostos. Uma delas não tinha conseguido terminar a lição. Ela virava para trás enquanto a professora prestava atenção nos outros dois alunos para perguntar se ela deveria somar ou subtrair os números. Os outros colegas da turma a ajudaram escondidos.
Alguns alunos estavam trocando bilhetes entre si. A professora percebeu, tomou os papéis e gritou:
- Eu tive reunião com a coordenadora. Vocês acham que tomei bronca ou fui elogiada? Isso… Porque vocês estão abaixo do básico! Vai ter prova bimestral, vocês vão mal e a culpa é minha?
A turma ficou em completo silêncio. A professora andou pela sala e olhou alguns livros.
- Porque você copia do jeito que você quer? É para colocar do jeito que está na lousa! - advertiu um aluno.
- Já que você não copia vai ficar sem estojo - tirando o material de outro aluno.
- Não vai ninguém no banheiro! Me estressaram até umas horas, agora segura! - respondeu a duas alunas.
Em todas as aulas observadas algumas crianças eram retiradas da sala para atividades de reforço que duravam entre uma e duas horas. Em nenhuma das aulas a M participou do reforço apesar de não fazer atividades durante as aulas regulares.
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